Em meio às correntes mudanças políticas no Brasil que levaram ao impeachment da presidenta Dilma Roussef e consequentemente à extinção do Ministério da Cultura, formas de resistência têm sido cada vez mais importantes para a intermediação de manifestos culturais de artistas junto a um público em ebulição e crescente. Nesse sentido, a Feira Plana desde 2013 é um canal imprescindível e viável para a publicação independente no país que auto-gestiona um movimento diverso e crescente. Bia Bittencourt é sua idealizadora.
O que era a feira Plana quando começou e o que é agora?
A Feira começou em 2013 e não existia muito a coisa definida de se ter editoras enquanto nomes e se pensarem como editoras. No início, eram artistas convidados que inventavam editoras fictícias. Foi muito significativo ver essa mudança e principalmente perceber que os visitantes da primeira viraram editores da segunda. Nas últimas, aconteceu naturalmente o conceito editorial e quanto ao público, foi brutal, de 2000 visitantes a 12000 num final de semana. O tema sempre foi um guia e um norte para a programação paralela da feira, porque o que mais me interessa é o pensamento naquilo e o seu desdobramento, experimentações de um campo pictórico que foi se tornando mais abstrato: fotografia, preto e branco e agora fim do mundo.
Como você vê a feira no contexto independente nacional e da América Latina, sobretudo? Como ela dialoga com outras feiras?
Quando a Plana surgiu, a Tijuana era a única que existia, mais focada em livros de artista e no ambiente de uma galeria. Foi brutal perceber através de um open call que tinha um movimento desesperado de produção querendo ser produzido. Minha maior preocupação sempre foi o conceito por trás disso, de o que estamos fazendo e onde vamos parar. Quanto ao contexto da América Latina, a Tijuana sempre teve esse mérito e essa pesquisa, meu foco é trazer gente de fora e mostrar que temos uma produção fervilhante por aqui, é transformar a feira numa espécie de catalisador.
Por que na Bienal e o que isso muda? Na Bienal, foi um convite que ponderei várias vezes. No MIS (Museu de Imagem e do Som), tínhamos a limitação da agenda onde a feira tinha que se encaixar num período de entre-exposições, e neste ano tivemos que fazer em janeiro, que não foi uma experiência muito boa. Já na Bienal, eu preciso de muito mais dinheiro para produzir. E com certeza a arquitetura influencia a cara de qualquer feira. Lidar com o espaço do Niemayer vai ser o grande desafio, construindo do zero em um espaço totalmente bruto e imenso. Uma das vantagens é o público espontâneo que isso vai gerar, já que ela é no meio do parque do Ibiraquera que por si só já atrai muita gente.
A Casa Plana vai ser o quê?
Sempre quis fazer uma permanência da Plana onde pudesse gerar um QG tanto para a produção quanto para a experimentação, que os editores pudessem vir e usar do espaço, onde vai haver cursos, palestras, residência. Tenho já uma programação até março e um espaço incrível no Farol, um prédio no meio do centro.
Quais editores ou zines dessa última edição você indicaria?
Com o passar das edições, o nível ficou mais apurado quanto ao refinamento gráfico e o de conteúdo também. As publicações ficaram mais elaboradas e mais caras. Um exemplo bom é a Vibrant que começou fazendo uns livrinhos de fotografia e agora fazem super projetos de fotolivros, sem dúvida um dos mais importantes da América Latina. O livro Correspondência da Manuela Costalima eu acho muito importante, um trabalho complexo de conceito e impressão com as meninas da Pingado. O interessante é perceber que são editoras que estão num processo de entendimento do que somos e se assumir enquanto editoras, para onde vamos e o que vamos fazer. Essa é uma preocupação importante.
A Feira e todo o projeto Plana não deixa de ser uma resistência aos novos tempos da internet e do consumo rápido imaterial e porque não ao momento político em que vivemos também? O que você como legado?
Ainda acho delicado pensar nisso agora, justamente por conta de todas essas mudanças. Antes, era uma resistência enorme, nunca tirei um centavo, e as pessoas nem imaginam o processo de produção da feira. Agora estou entrando no universo de captação, da lei de incentivo para poder começar a pagar direito e institucionalizar mais.
Tenho sim percebido um certo desânimo por conta da crise, porque todo mundo gasta pra produzir sem ter certeza de um retorno e eu não tenho uma resposta de onde isso vai parar. Todo ano eu penso em desistir e nem consigo enxergar a feira daqui a 30 anos, pode ser que acabe, pode ser que vire outra coisa. Não me preocupo como marca, nem como conceito, se for pra acontecer num momento e ser uma voz para isso, ótimo, não quero que seja uma obrigação.